quinta-feira, 28 de maio de 2009

O velho moço

Sentado no banco de o que poderia ter sido algum dia uma praça, um senhor passa o dia observando. Curvado como um ancião, porém com a aparência nova, fuma um cachimbo longo e olha para o cenário deserto.
Espera por algo que talvez já lhe tenha passado a frente dos olhos por milhares de vezes. Talvez espera por algo que ainda não chegou, mas que há de chegar. Mesmo assim não importa, apenas fica sentado e esperando.
Esse senhor viu-se passar por muitos anos. Viu guerras e tratados de paz, viu os reis dando lugar para a posse de presidentes, viu o socialismo virar quase uma lenda mundial e ainda assim sua aparência não mudou.
Já deixou a barba crescer inúmeras vezes e já teve o cabelo grisalho. Já foi até careca, mas sempre lhe volta a aparência jovial. E alí sentado, vê tudo e todos passarem sem ao menos notarem sua presença.
Ele tenta chamar a atenção, acena e faz uma cena, mas são poucos os que sentam do seu lado e esperando junto ou por ele, em silêncio ou as vezes falantes. Ele pouco diz e pouco age, mas quando diz e age é com precisão. Ele é a paciência e o teste dela para os que alí passam.
Ele não é invisível, por mais que muitos ainda passem pelo deserto do que poderia ser chamado de uma praça e não o enxergam. Esses são os tolos que não querem ver que ele está logo alí, basta dar espaço e entender, e assim ele irá para o seu lado.
Ele não te convida para sentar. Simplesmente espera sua decisão de estar ao lado dele e de nada adianta perguntar, ele nunca vai responder alguma pergunta. Respostas não são ditas, são mostradas como num espetáculo.
E ele passa e continua igual. E ele passa e vai envelhecendo. Um moço velho. O velho moço.
O tempo.

domingo, 24 de maio de 2009

Rosas Vermelhas

Deitado no chão gelado do quintal, na casa da minha avó, vejo rosas vermelhas. Fogo incandescente que ascende toda vontade de querer viver, da fome pra vida que se espalha pelo corpo.
Rosas de uma protuberância racional, se enrubescem como a mais especial e humana de todas as emoções: a vergonha, já dizia Charles Darwin. Rosas que abrigam abelhas e borboletas azuis, que atrai a atenção de beija-flores que por alí passam e que desperta atenção nos olhares mais perdidos naquela tarde de sol.
Sedentas e ansiosas, esperam pelo cantil da paixão que vem montado no cavalo alado, direto das estrelas da penúltima constelação e atravessam horas-luz de um universo meticuloso de afetos e desafetos.
Jogadas ao horizonte, rosas vermelhas esperam a última gota da chuva, o último orvalho do sereno que lentamente cai na noite vazia, sem evidências de que por alí tinha passado. Orvalho que a paixão carrega consigo em sua viagem pelo universo, na aventura em busca do amor maior.
Deitado no chão, já esquentado, da casa da minha avó, vejo rosas vermelhas. E nunca imaginei que dalí eu jamais iria querer tirá-las para cheirar...

sexta-feira, 22 de maio de 2009

S03E01 (here we go again)

"Era uma noite castigada pelo vento de inverno, mas Marcos não se preocupava. Diferente de um Marcos de uns três meses atrás, se sentia mais responsável e adulto, por mais que ainda tivesse seus bons e 'novos' dezenove anos. Tivera uma briga feia com Renato, seu irmão, e não se falavam mais. Notou que eles não eram tão cúmplices quanto pareciam e Renato roubou o que era de mais precioso para Marcos: a confiança. Conseqüentemente, porém com muito aperto no coração, perdeu contato com Anahí, mas ainda trocava algumas mensagens por sms ou messenger com ela, perguntando sempre como ela estava e procurava sempre tentar descobrir de algum jeito.
Renato ainda trabalhava no mesmo lugar, ganhava o mesmo salário e não lutava, nem sequer tinha um ideal para a vida. Seus fins de semana eram regados a muita cerveja, amigos e maconhas, um conjunto ao qual Marcos percebeu não lhe fazer tão bem, com excesso, mas não era hipócrita o suficiente para o dizer que fazia mal para o irmão e que ele deveria parar, uma vez que ele continuava fumando uns de vez em quando, mas num núcleo diferente.
Anahí tinha desistido do antigo emprego e agora era fotógrafa freelancer. Fotografava casamentos e festas de 15 anos, além de algumas baladas que entrava VIP. O casal se via pouco, mas se via e isso era suficiente para os dois.
Roberta estava atolada com as coisas da faculdade. Em três meses ela voltou e terminou de novo com Silvio, seu ex-futuro-não-sei-qual-namorado, como dizia Marcos. Para sua sorte, a de Marcos, ele não sentia mais nada por ela, três meses foi tempo o suficiente para ele perceber que os dois não combinavam e que a vida dele seria um inferno do lado das reclamações e métricas arquitetônicas da loirinha sorridente.
E Marcos? Bem... Estava ótimo. Arrumou um novo emprego em uma agência de renome e trabalhava numa área que desejava, onde conheceu pessoas maravilhosas com quem passava a maior parte do seu tempo: Giuliano, um músico doido metido a poeta que fala bonito e explica/sabe de música como ninguém e Fernanda, uma garota de gênio forte e alma doce que sempre está de bem com a vida. Apesar da cara de brava, era um amor de pessoa e Marcos confiava a vida dele para com a menina.
Além deles, Marcos conheceu um grande amigo que o acolheu como irmão, o Caio. Por ironia do destino, os dois trabalhavam e estudavam juntos, e no fim do último mês, Marcos se mudou para a república dele. E assim se resolveu a vida de Marcos, no tempo em que ele ficou ausente.
Era uma noite fria castigada pelo vento violento de inverno, mas Marcos não se preocupava. Na varanda do prédio, fumava um cigarro olhando para o céu estrelado, pensativo como sempre. Lá dentro, na sala, o computador piscava a janela do msn..."

sábado, 16 de maio de 2009

O Presente

Parece que a rosa mais vermelha floresceu no meu jardim. Um presente dado pela natureza, uma dádiva divina. Esta, a rosa mais bonita, já se brota há vinte e cinco anos, mas no meu jardim eu tive que esperar por todo esse tempo.
Minha felicidade matinal, minhas risadas vespertinas, minhas saudades e alívios noturnos. Dona da alma mais pura que um ser humano pôde encontrar. Um sorriso que contagia todo meu jardim e o do vizinho também.
Seu perfume exala um cheiro de alegria e bondade e, no meio de tantas flores, ela se destaca com sua simplicidade de ser ela mesma. A rosa mais vermelha.
O mais engraçado é ver as pessoas tentando colhê-la, um crime. Não se pode querer ter um milagre de Deus se não o merecer. E eu estou mais do que agradecido por ter cultivado certo e tê-la aqui comigo.
Todos os dias, bem cedinho, desço até o meu jardim e dou-lhe água. Poderia ficar horas alí do lado, apenas admirando tal beleza que contagia todas as outras rosas, transmitindo uma harmonia que talvez seja vista por poucos.
Minha rosa, minha rosa mais bela.
Há vinte e cinco anos, nasceu a rosa mais perfeita, mas só agora o amor chegou aqui. Parabéns Paula Lopes!

quinta-feira, 14 de maio de 2009

"Aliterário"

Qual é que é, Zé Mané, por que está aí de pé?
Vendo o vento violento na Vila Vazia.
Encontrando em um tanto quanto espanto
Com um ar de sonhar, que o fazia sonhar.
Qual é que é, Zé Mané, ainda está de pé?
Aquele trato de entrar em contato com o outro lado
E dizer não, em um estado nada são, diante de toda'quela multidão
Sem saber se sobrará soldado sem sangue
Pra contar, com glória, a história de uma vitória
E celebrar, sem pestanejar, o penar daquele lar que foi-se um dia acabar.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O Medo

Vazia corrente sangüínea que corre pelas minhas veias.
Latente pulsação que antecede o tão sofrido susto.
O grito que desperta até o último canto escuro da alma.
Os olhos incrédulos de quem se viu de frente com a morte, e deu as costas.
A ferida que arde, antes mesmo de cortar.
A lágrima que escorre, antes mesmo de cair.
A asa que bate, antes mesmo de voar.
A vida que vai, antes mesmo de partir.
Tenho dois caminhos e estou com medo de decidir.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Mudanças

Um vasto campo de flores cobria parte do local com cores vivas e berrantes. Tulipas e girassóis, além de algumas hortências aqui e acolá, dando um toque refinado àquele campo. Por cima das flores, uma borboleta azulada batia lentamente suas asas e, como numa dança, costurava cada botão de flor com o vento ameno que alí batia. Quase que em câmera lenta, ela passava por todas as flores e parecia deslizar entre seus pólens, criando certas poesias em cada bater de asas.
Sentado na cadeira madeirada na varanda, assisto o espetáculo me lembrando do que minha mãe dizia sobre aparições de borboletas. Elas vêm para destacar e nos mostrar algo que está por vir, ou já veio e não percebemos. Na maioria das vezes, borboletas anunciam boas novas para aqueles que a assistem, mas existe a possibilidade delas trazerem más notícias.
Borboletas chegam quando o fim de um ciclo se fecha. Crescimento, tanto espiritual, como físico. Dão o sinal nas entrelinhas e cabe a nós, meros mortais, decifrarmos esse código da natureza, apenas pensando no que acontece no nosso dia a dia. E eu estou aqui, sentado na cadeira, imaginando o que poderia estar acontecendo para aquela borboleta estar alí, tentanto me mostrar algo novo que chegou.
Por fim, borboletas anunciam a mudança. E sempre existirá uma borboleta no jardim de cada um.

domingo, 10 de maio de 2009

Simples assim

Começo.
Vida, conhecimento, verdades, mentiras, trapaças e acertos.
Sonhos, esperanças, vontades, pensamentos e cinismo.
Senos, co-senos, tangentes e ângulos retos.
Cinza, nuvem, sol, chuva e vento.
Frio, calor, clima e tempo.
Meio.
Desespero, ameaças, desconfiança, garantia e escuridão.
Interfone, vozes, afirmações, próximos e olhares.
Chuva, noite, prosa e valsa.
Amor, dor, luz e morte.
Fim.

sábado, 9 de maio de 2009

Fuga pra realidade

Uma sútil linha de água com sabão o separava de uma realidade mais intensa.
Uma linha mínima que ainda o privava de certas pederastias.
Linha essa que guardava sua ingenuidade.
Paz.
O globo transparente fazia com que ele enxergasse o mundo lá fora, mas não sabia como era vivê-lo.
A acústica não o permitia ouvir tudo que era falado lá fora. Assim como muito do que falava não era escutado. Isso o incomodava, e muito.
Uma linha infinitamente fina que o separava de tudo.
Até que, certo dia, ele estourou a bolha.
Essa é a vida, seja bem vindo!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Ser Humano

O ser humano pensa e a cabeça pesa.
O ser humano age e as pernas cansam.
O ser humano ama e o coração para.
O ser humano pensa.

O ser humano vive e a vida desiste.
O ser humano sopra e o vento cessa.
O ser humano se lembra e a mente esquece.
O ser humano vive.

O ser humano deixa e as lembranças guardam.
O ser humano abstrai e as tintas compõem.
O ser humano insiste e o cansaço vence.
O ser humano deixa.

O ser é humano. O ser é carne e osso.
O ser humano é. O humano é alma e coração.
Viver e morrer. Lembrar e esquecer.
Isso é ser humano.
O ser é humano também.
E esse é. O ser humano.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Destinatário: Amor

São Paulo, 05 de maio de 2009.
00h25min - Horário de Brasília.

Senhor Amor,
Venho há tempos pensando no que lhe dizer, para realmente ver e rever (quantas vezes possíveis) se estava certo eu lhe mandar essa carta. Você que vive ocupado, servindo de inspirações para grandes poemas e cartinhas de seu homônimo, talvez nem queira parar para ouvir minhas reclamações.
Mas acontece que eu não sei mais o que fazer, e essa carta talvez seja minha última saída para que você pare um minuto de pensar e preste atenção em mim! Ou vai me dizer que até agora não percebeu o quanto eu quero que você me note? Até o mais limitado perceberia...
Vai me dizer agora que você nunca sentiu as batidas do meu coração em seu corpo, quando você me abraça? Acha que o que? Estou sempre cansado quando te vejo? Pois saiba agora que, se existe uma coisa que possa me cansar, isso nunca será os seus abraços.
E o sorriso na minha cara? Tá mais estampado do que uma camiseta de surf, toda florida. Você nunca reparou que parecemos um reflexo de espelho? Basta você começar a abrir um sorriso que eu já começo a sorrir também. Não queria dizer, mas já disse: sua felicidade me contamina, me alegra!
Sem falar na gagueira que me ataca quando eu abro a boca para lhe dirigir um simples "boa noite". Eu não sei, Amor, se você já percebeu, mas as frases parecem andar em paralelepípedos quando vou falar com você. Além disso, tem a tremedeira. Você por acaso causa isso em outras pessoas? Aposto que sim.
Tenho dó daqueles tantos que são como eu. Tentam a todo custo arrancar-lhe um sorriso, um abraço, uma atenção, mas acabam se sujeitando ao ridículo e acabam transformando tudo aquilo que não têm coragem de dizer pessoalmente em uma carta ao Amor.
Não quero mais fazer cartas para você. Quero fazer cartas de você. Cartas de amor!
Eu sei, Amor, que você tem o seu amor. Mas quem disse que esse não é só paixão. Há paixões que duram semanas, outras dias, mas ainda assim existem paixões de anos, décadas. Quem sabe você não está apaixonado?
Quem diria, não? O Amor estar apaixonado. Seria uma história épica, algo a ser lembrado pelas gerações. Mas eu não tô rogando praga, não. Não quero estragar a felicidade de ninguém e, por mais piegas que seja, eu prezo pela sua felicidade.
Então eu te peço, Amor. Mê dá uma chance de eu te provar que eu existo, de te provar que eu talvez seja capaz de te fazer sentir você mesmo. Dá a atenção mínima que seja. Desperta os teus olhos para quem te quer tão bem.
E assim termino essa carta à você, tão sútil.
Eu te amo, meu Amor!

domingo, 3 de maio de 2009

O Vale

Há tempos que não visitava aquele vale. Perdido no mundo, andava pelos becos escuros que a vida havia me prometido, tempos atrás. Mas agora eu tinha arranjado um tempo para mim e resolvi seguir caminho até o vale.
Na montanha mais alta daquela cordilheira, havia uma depressão que, não sei como explicar, criou-se um vale ali no meio. Entre tantos tons acizentados, lá estava um verde escuro ganhando destaque. O buraco mais profundo não fertilizou, dando espaço para um pequeno lago que alí se fez com tantas chuva. E justo hoje era dia de sol.
Ah! Meu vale, todo e tão só meu. Após subir por uma montanha íngrime e dificultosa, com grande esforço apoio minha mão na pedra e tomo impulso para subir, escalando a última parte da montanha, chegando ao topo, vendo do outro lado aquela explosão verde. Seu lago reluzia um dourado, reflexo da luz do sol que alí mirava todos os seus raios.
O sol era escaldante e eu estava alí, parado, apenas olhando o que era meu bem maior, naquele instante. Tiro minha camiseta e a coloco no ombro esquerdo. Tiro meu óculos e o deixo no chão, para melhor apreciar a vista que o vale me proporcionava. Sento na pedra quente, deixando meus pêlos da perna confortáveis com o calor obtido com o chão. Cruzo os braços em cima dos joelhos e acendo um cigarro, olhando todo o vale, solitário e apaziguador.
Penso no quanto as pessoas se sentiriam melhores se estivessem alí, no meu lugar. Quantas pessoas deixariam o ódio para trás, ao ver tal beleza que era apenas vista com meus olhos. A cada trago, uma lembrança boa me vinha à cabeça. A cada fumaça, um sorriso besta e incrédulo.
Levanto e pego uma pequena pedra. Com toda força que posso receber naquele momento, atiro a pedra em direção ao vale e apenas vejo uma pequena parte do lago formando ondas circulares. Liberdade!
O declive liso, um barranco sem rochas afiadas, dava caminho ao vale. Com o cigarro ainda na mão, corro barranco abaixo, com uma sede insaciável pela vida. Grito sem medo de ser ouvido ou reprimido e desço sentindo todo aquele vento invadindo cada célula do meu corpo, cada poro da minha pele sendo invadido.
Atravesso o matagal sem medo de ser arranhado pelos galhos mais baixos. Chego até o lago e paro. Encosto minhas duas mão no lago e mergulho-as, como um sapo indo se banhar. Com as mãos em forma de concha, deposito a água entre elas e dou um gole. Ah! A sede fora aniquilada!
Molho meu rosto, banho meus cabelos e me levanto. Dou um sorriso inigualável e tiro meus tênis e tomo distância. Pego impulso e corro, pulando estrondosamente no meio do lago. Sinto a água por todo meu corpo e ouço o barulho dos pássaros na superfície. Volto e respiro fundo.
Encontrei a paz.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A maré

Em noites de verão, via-se as águas batendo contra a parede do chamado "calçadão". Era a maré. Alta e furiosa, demonstrava todo seu rancor sugado por todos aqueles que nela encontaram os pés. Batia contra as pedras mais altas, logo alí no meio do mar. Sentia a dor de ter perdido alguém, o remorso de ter-lhes feito tanto mal. Um ódio a consumia enquanto as horas se passavam.
Em noites de verão, via-se a maré. O som gritando o nome dela se perdia em meio de tanto barulho causado. A raiva expandia-se conforme a lua chegava ao meio do céu, iluminando todo aquele sentimento deslocado que parecia arrancar-lhe o que não tinha, um coração.
A maré estufava as areias de água salgada, causando tremor em cada grão que era sufocado e não podia pedir por ajuda. A maré estava brava.
A lua ia caindo pelo horizonte, deixando o céu num tom roxo azulado. Deu espaço para o sol e a maré foi diminuindo. Pescadores já estavam com os pés nas mesmas areias assassinadas cruelmente minutos antes. Colocavam seus barcos na água e seguiam viagem pelo mar. A maré se acalmou com a luz irradiante do sol e não conseguia mais gritar.
Mais uma noite se passou e ninguém conseguiu escutá-la.