sábado, 30 de outubro de 2010

Num gole só

Me dá esse copo, que eu já sei que ele é meu.
Faça eu engolir cada gota do seu rancor, da sua agonia, dessa loucura que diz ser amor.
Chore também as suas lágrimas e misture-as com uma colher de pau.
Diga que eu já fui melhor, que não lhe dou valor.
Vomite tudo o que você sente.
Bota no copo.
Que eu engulo num gole só.

domingo, 24 de outubro de 2010

Inspiração

Viagem de trêm. Um cigarro aceso no silêncio. Uma noite incrível! Uma resposta bem dada. Um livro lido na tarde de outono. A história criada no sonho mais íntimo.
Você dançando.
O desconhecido. A dúvida. O conhecido. A certeza. Uma conversa ao pé da janela. O observar das estrelas. Uma letra de música. Uma lembrança dolorosa.
Você de branco.
A experiência dos mais velhos. Os conselhos dos pais. Dos amigos. Dos não tão amigos assim. Dos quase desconhecidos. O som da água caindo do chuveiro. O pensamento antes de dormir. Um sentimento, ou dois.
Você sorrindo.
Um insight. Uma página em branco. Um sonho! O barulho que arrepia. A cerveja gelada acompanhada da risada. Um melhor amigo. Uma partida de futebol. O primeiro emprego, e o segundo também.
A sua voz.
Mais um aniversário. Um beijo e um abraço. Colo e carinho. Fantasmas, Deus e o Diabo. Céu e Inferno. Uma verdade e várias mentiras. Várias verdades. O frio e o sol. Uma carta, uma foto e uma taça de vinho.
Viver é uma inspiração interminável.

sábado, 23 de outubro de 2010

Adeus e boas vindas

É hora de puxar a corda e trazer a âncora pro barco.
É hora de ir pra alto mar. Sentir o balançar das ondas e olhar a terra firme pela popa, dando tchauzinho pra quem fica a observar.
O meu amor ficou, com as lágrimas regando a sua pele. O meu amor pulou n'água gelada e nadou até me encontrar. Já estava a bordo e me olhou, toda molhada. O meu amor ficou e deu adeus.
Deixa eu desbravar toda essa água. Me petrificar ao ver a pedra raspando na madeira, me embebedar no vai e vem da maré alta. Deixa eu pôr toda angústia para fora e declarar tudo que eu sinto.
Mas meu amor ficou em terra. Na terra firme. Firme e forte.
E eu nem trouxe mapa, só uns contos de carochas e um oceano de pensamentos para só eu navegar. Remando para o norte, sem a certeza de uma bússola. Enxergando, entre os sonos, terras para conhecer.
E veja só onde acabei toda a jornada.
Na companhia de uma sereia que nem sabe qual o meu nome.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A segunda carta

Não há muito que escrevi uma carta para você. Se me lembro bem, faz uns cinco meses, mas não lembro bem o motivo de não a ter colocado no correio. Talvez fosse o medo, talvez fosse a preguiça, não sei. Eu não me lembro.
Mas naquela noite em que rabisquei as folhas brancas, tinha acabado de ler um livro, de fazer um telefonema não atendido e me lembrei de velhos amigos. A saudade apertou, mas nem mesmo você derramou uma lágrima dos meus olhos.
Me recordo de ter reclamado da vida, de ter indagado Deus e ter feito brincadeirinhas com as minhas dúvidas e fé. Fiz perguntas das quais você jamais conseguiria responder, e outras que já sabia a resposta mas esperava ouví-las com seu tom de voz.
Filosofei sobre o agora e como o ontem veio se tornar assim tão hoje. Ele era tão diferente naqueles dias... Contei meus anseios para o emprego perfeito, o medo de não ser assim tão conciso no que falo, como agora estou sendo. E nessa hora, me lembro bem de abrir o armário de copos e enchê-lo com aquela vodka terrível. Argh! O sabor amargo da insônia.
Virei a folha e continuei, é claro. Não seria, aquele dia, o menos prolixo e puxei o papo para as donzelas que não existem. Perguntei pra você se todos mereciam ser o Johnny da June ou o Lennon da Ono. Eu nunca me preocupei com isso quando você estava comigo.
Eu te amava, talvez ainda ame. Mas nunca tive a oportunidade de sentir tudo isso quando você esteve ao meu lado. E há dias, como aqueles em que dou risadas intermináveis, ou até mesmo quando bate uma saudade daquelas tardes de março, que sinto você do meu lado. E enquanto escrevo essa carta, que talvez nunca vá para o correio, me pergunto se você não está aqui comigo.
Amigos pedem para eu te esquecer, seguir em frente... viver a vida. Outros já pensam que você ainda está em mim, por mais que eu não possa vê-la ou sentí-la. Ao seu lado eu era feliz! Sempre soube, mas hoje tenho certeza.
Minha última carta era um texto de adeus.
Mas hoje sei que não quero você assim tão longe.
Volte de vez em quando, e não me mate em doses homeopáticas.
Um grande abraço, minha infância.

domingo, 17 de outubro de 2010

A Baiana

A Baiana me chamou para um almoço. Com dendê no vatapá, acompanhando cururu, batida de coco e samba em sua cozinha simplória.
Uma mão na cintura e um pano branco na cabeça. Os "oxi" arretados eram frequentes quando errava na medida e, vez e outra, um olhar materno por trás do ombro me encarava na mesa, enquanto bebericava no copinho.
Alí fiquei horas, observando a saia rodada balançando para cá e para lá, acompanhando o choro do cavaquinho. Não tinha como não sorrir com a calma e felicidade daquela Baiana. Sua mão no meu ombro demonstrava um carinho quase que celestial e sua voz carregava conselhos e sabedorias milenares.
Naquela tarde se fez noite, ao pé do forno quente, suando e desejando água para afagar a minha seda. A Baiana não cansava de ensinar e nem percebi quando a lua deu lugar ao sol e já era almoço de novo.
Ah. Como eu sou apaixonado por essa Bahia.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

All in (II)

Me sento à mesa. Whisky, por favor. On the rocks, porque a noite vai ser longa - mas não precisa exagerar nas pedras de gelo. Suficiente é o suficiente, sem exageros e afobações. Um gole por vez, pra não perder o foco.
Saudações aos desconhecidos. Talvez grandes amigos, novos amores ou apenas adversários. O blefe é tão flerte, os sorrisos enganam e a preocupação é duvidosa. Brindo à noite e um sorriso amarelo, mas não menos verdadeiro do que a senhorita alí de preto.
Um par de cartas, por favor. Um olhar seco penetra em todos os desesperados pela vitória. O primeiro mente e o segundo acredita. Na próxima rodada eles trocarão de papéis e continuarão nessa gangorra de parque temático adulto que é a vida. Vezes se está por cima, vezes se está por baixo, procurando no céu o infinito de resposta.
Cartas na mesa. "Let the game begin" e não deixemos as apostas tomarem nossa consciência. Cada ficha é um enigma, e como dói não conseguir ler o que está escrito quando eles jogam sério nas entrelinhas.
O segundo copo e a quarta carta. A risada amistosa mostra que a cadeira do adversário já virou o seu divã. Mas ele estaria blefando? A quinta carta, ainda pra baixo, amarga minha ansiedade da verdade.
Eu entrei no jogo foi pra ganhar, mas não aposto todas as minhas fichas de que isso aconteça assim tão fácil.