quinta-feira, 25 de junho de 2009

Branco

Lhe deram um balde de tinta para pintar a parede branca do seu quarto. Lhe deram também pincéis e rolos, uma escada e jornal para forrar o chão. Lhe deram outros baldes com outros tons para ele escolher, além de todo tempo que precisava para criar.
Ficou horas parado no meio do quarto vazio, olhando para a cama, a única coisa que restara alí. Projetou em sua mente diversas idéias de como pintaria e anotou as melhores no papel. Pensou mais e anotou mais.
Lhe deram apoio e lhe deram esperanças. Lhe alimentaram o ego, dizendo o quão talentoso ele era. Lhe sorriram e tapinhas camaradas nas costas foram dados, para motivar sua criatividade. Lhe deram total liberdade e vetaram as possibilidade de podar sua arte.
Molhou o pincel em uma das latas, não gostou.
Afogou seu indicador em outra, não gostou.
Olhou para a parede com anseio de verdades. Cansara das sinceridades que brilhavam naquele branco. Chega!
Pegou a escada e a pôs no meio do vazio. Um degrau, dois... três. Mergulhou o rolo na tinta e começou a extravasar a sua mais bela criação. Um pouco de gelo, um pouco de azul, uma mistura de azul royal com cinza claro, uma obra prima.
Desceu com determinação e foi atrás da mulher que o colocara alí dentro. Pediu sua opinião sincera. Ela simplesmente sorriu. Ponto ganho.
Fechou novamente o quarto e partiu para a outra parede. Com mais cautela e mais pensativo, idealizou a perfeição naquele branco nulo. Colocou-se a pintar. A mente não parava de trabalhar e enquanto mecanizava as pinceladas, entre um mergulho e outro na tinta, já pensava na próxima parede.
Terminou mais uma e foi chamar novamente sua superiora. Outro sorriso, outro ponto.
Com mais confiança, tratou de pintar o resto do quarto sem requisitar aprovações. Fez as misturas em suas tintas, mediu a quantidade exata de água e criou algo sublime e surreal. Continuou a criar e pintou com pinceladas leves e pesadas, carregando a incerteza em sua arte. Trabalho completo é trabalho bem feito. Foi chamá-la pela última vez. Aplausos. Vitória.
Lhe ofereceram dinheiro. Lhe ofereceram trabalho. Lhe ofereceram glamour... fama.
Ele apenas voltou para o seu quarto e deitou em sua cama, fechando os olhos cansados de mais um dia cansativo. Sentia seu corpo pesado, suas pernas tremiam e seus braços estavam presos ao colchão. Sua mente doía.
Ao acordar sentiu a claridade. Abriu os olhos e viu todas as paredes branca. Notou, então, que o que lhe fazia pintar não era a obrigação, mas somente a liberdade de criar...

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