segunda-feira, 27 de julho de 2009

Tiro certeiro

Aquele garoto vivia na rua. Descia o morro logo cedo com uma cesta de compras, roubada do mercadinho lá do centro. Lotava de docinhos e ia de coletivo em coletivo pra ganhar seus trocados. A mãe, mulher humilde, trabalhava na casa de uma patroa cheia da grana, o pai era pedreiro de obras pesada, mexia cimento e carregava concreto feito papel. O irmãozinho ficava na creche, tomando o tempo da professora mau humorada.
De uniforme, subia pela porta traseira e recitava seu velho poema, pobre de rimas mais pobres ainda, tentando ludibriar os trabalhadores de todas as manhãs. A tarde, corria pra escola pra pegar a hora da merenda, um arroz mal cozido com batatas quase cruas e uma carne de terceira que, diga-se de passagem, ele amava. Afinal, era a única refeição decente que ele tinha durante todo o dia.
Subia as escadas para a sala de aula mal educada. Carteiras quebradas, lousas pixadas, chão destruído, janelas fechadas. Um forno assando mentes que poderiam ser brilhantes, mas não são. Entre bafafás aqui e burburinhos alí, tentava ouvir a professora que estava sentada em silêncio, lendo um livro da capa vermelha e dura. Então decidiu olhar pela janela.
Aquele garoto era um sonhador. Sonhava com a vida do garoto da novela que a mãe assistia nas noites de sábado - nos outros dias trabalhava até tarde. Queria simplesmente uma família feliz, sonhava com um emprego bom, queria ser alfabetizado e não apenas semi.
O sinal tocava e ele era o primeiro a sair com sua cesta de supermercado. Segundo turno. Corria pro ponto e dava sinal pro primeiro ônibus, queria entrar pela porta lá atrás e garantir mais alguns trocados. Repetia a dose até o último minuto.
Era uma noite de segunda-feira. O garoto desceu no ponto do morro e andou alguns metros até chegar na grande ladeira. Lá de longe, ouviu-se barulhos estranhos. Era fim de mês, dia de se pagar a fiança mensal, dia de acertar as contas e continuar o trabalho mais bem pago da favela.
O que parecia fogos de artifício foi se transformando em balas de calibre indesejável. Gritaria e muvuca, gente correndo. Policiais subindo o morro, fardados em suas armaduras celestiais, donos da verdade e razão. Logo na entrada, um rapaz com a camiseta na cara agonizava em banhos de sangue, lá atrás via-se um policial sendo ligeiramente atingido na cabeça. Pura sorte, ou azar.
Parado com seu tênis velho nos pés, o garoto ficou assistindo à cena, sem saber para onde ir ou se esconder. Lembrou dos pais e do irmão caçula, todos em casa, provavelmente abaixados contra o chão, esperando acordar do pesadelo. Decidiu subir.
Era segunda-feira, pouco mais das dez da noite, quando uma bala atingiu o peito do garoto. O oficial que atirou nem viu que o matara, sequer queria. Seu propósito era matar o cara do outro lado do muro.
E alí ficou... jogado às margens do sangue, uma metáfora pra vida.

2 comentários:

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Este comentário foi removido pelo autor.
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Consegui!
Tô te seguindo!

=)