terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Meu mundinho

Fecho os olhos, o mundo gira.
Estou em um grande relevo de grama rala e bem verde, sem nenhuma falha em seu caminho. O monte todo sobe em uma única direção que me leva para uma árvore no centro. Tronco grosso e robusto, marrom cor de terra e galhos compridos que crescem louvando os céus.
Suas folhas são verdes como a grama, só que mais escuras. As frutas, pequenas esferas vermelhas, suspendem no ar, presas por pequenos galhos da mesma cor que o tronco. Tenho a leve sensação de que suas folhas tocam as nuvens mais altas do céu, enquanto me perco na vertigem causada ao olhar para cima.
A sombra forma uma circunferência exata lá no alto, onde a brisa bate lentamente no rosto daqueles que, como eu, usam o lugar como refúgio universal. Subo até a árvore, com os pés descalços e me sento na raiz que foge do fundo da terra, usando o tronco como encosto.
Acendo um cigarro e assisto, lá embaixo, duas crianças brincando. Um menino e uma menina, rolando na grama, se abraçando e sorrindo. Livres dos moldes pré estabelecidos, com a graça de milhares de deuses, com uma fina aura brilhante envolvendo os seus corpos. A cada sorriso, uma lembrança da infância já não mais existente.
O menino, sorridente, veste uma bermuda jeans e uma camiseta branca lisa, que já está um pouco suja de tanto rolar barranco abaixo. A garotinha, dona de um semblante puro de beleza, está com um traje camponês vermelho, detalhado com flores amarelas fracas. É tão lindo e inocente, aqueles dois, que mal percebo a lágrima cair de ambos os olhos.
Meu olhar percorre do chão ao céu, onde as nuvens brancas sinalizam o dia radiante que está por vir. O sol não está forte e faz o rio que passa ao meu lado esquerdo reluzir seus raios diante dos meus olhos. Vez ou outra, penso ter visto uma carpa roxa passar de lá para cá.
O silêncio acompanha o meu olhar e mal noto a chegada de um senhor vestido de uma longa bata branca. Sorridente e com feição amigável, o ancião senta ao meu lado e me pergunta se estou feliz. Obviamente, ele sabe que não espera nenhuma resposta articulada de minhas cordas vocais. Apenas olho para ele com as pálpebras molhadas e aceno um sim com a cabeça.
Borboletas coloridas passam enquanto observo aquele senhor olhar para frente, assim como fiz minutos atrás. O silêncio volta, mesmo eu ouvindo diversos sons que me trazem paz e felcidade, e eu encosto minha cabeça no robusto tronco, procurando uma posição que me agrade. Fácil de se conseguir.
Preocupações com o trabalho, o dever de estudar, nada disso me passa pela mente. Não sinto falta de nada, nem de ninguém. Gostaria que pai estivesse alí comigo, aproveitando meu último cigarro, meus últimos suspiros.
Lembro-me da vez em que ele me socou os lábios e abriu um corte interno. Sangrou bastante, chorei demais. Eu o perdoei, pois eu o amava. Nem me lembro bem o porque aquilo me passou pela cabeça, mas também me veio os bons momentos, onde os dois, alterados pelo álcool, davam risadas sobre as situações de uma festa não muito agradável. Para eles, porque para mim e para ele foi demais.
E minha mãe também poderia estar comigo. Dona de um carinho sem igual, que ama como ninguém. Que acordava de madrugada para cuidar de mim, quando adoecia. E eu tanto reprimi esse amor, e eu tanto me corria de remorso. Mas, ainda assim, eu estava bem.
Chorei mais algumas lágrimas sem sentido, não era por ele, nem por ela. Era por nada e por tudo. O vento aumentou e as folhas balançaram, me dando a chance de provar daquele fruto que era inalcansável. O prazer não é proibido, me falou aquele velho senhor do qual tinha me esquecido a presença. Acendi um novo cigarro.
As crianças lá embaixo sumiram ao adentrarem pela orla da floresta na minha direita. Começo a pensar e refletir. Não chego a lugar nenhum. Choro mais algumas e últimas lágrimas, até que a fonte seca.
O senhor de branco vira para mim e, com uma voz tão suave, me diz "você amou e viveu como ninguém jamais conseguiu". Assisti ao pôr do sol como se aquilo fosse uma tela pintada por um renomeado artista.
E, depois disso, desejei nunca mais abrir os olhos. E que o mundo continue girando, pois eu ainda quero e espero chegar lá.

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